A insustentável beleza do ser

Cintia Uzêda
4 min readMay 6, 2022

De frente para o computador, eu tentava a todo custo escrever alguma coisa, concatenar as ideias, criar conteúdo. Uma sensação de peso me invadia em tons de tristeza; meu peito preencheu-se de silenciosa angústia, cuja origem me era desconhecida.

Desliguei a máquina, com impaciência, e fui para a varanda.

Fechei os olhos e comecei a respirar ritmicamente — rápido e devagar, rápido e devagar. O ar chegava primeiro aos pulmões; em seguida, dava uma volta longa pelo diafragma e saía, provocando um leve ardor na garganta. Ao terminar a prática, cedi ao torpor.

Corriam soltos os pensamentos, sem que me ativesse a eles; escutei o silvo do vento e o gorjeio dos pássaros; o calor dos raios de Sol em minha pele…

Até que um túnel azul-escuro, quase como a cor do colchonete no qual me deitara, estendeu-se à minha frente, num local entre os meus olhos cerrados e a escuridão do nada, tremeluzindo e girando, como se me guiasse para o lugar de sempre. E, lá, eu a vi, aquela a quem chamo de “deusa”, ou, talvez, quem sabe, fosse a versão mais ininteligível de mim.

“Você ainda não entendeu…”, disse-me, expressando imensurável compaixão.

“Tudo que se quer muito é como um brinquedo. Quando uma criança anseia muito por um brinquedo, ela o faz porque pensa que possuí-lo trará diversão, alegria. No entanto, é apenas um brinquedo; a diversão e a alegria já estão no interior da criança. O exemplo é válido para todo o resto. Não há nada de errado em se desejar coisa alguma, mas o seu desejo permanece como um brinquedo. É tão-somente uma escolha adquiri-lo ou não. Tudo que você procura já existe em você. É você. Não há como falhar.”

Naquele instante, pesadas lágrimas escorreram pelo meu rosto.

O peito esvaziara-se da inquietude de outrora, e as tensões do meu corpo se desfizeram como nós extremamente simples de desatar.

No lugar da melancolia, o corpo inteiro vibrou com um potente e ininterrupto fluxo de amor, que fazia formigar as mãos e os pés, emanado de algum lugar dentro de mim mesma.

Despertei com um sorriso, ainda que “molhado” pelas lágrimas. Muito feliz.

No final das contas, descobri que havia me esquecido de algo essencialmente importante, o que costumava ocorrer toda vez que me desconectava de minha essência ou que agia de encontro a quem eu realmente era e/ou no que acreditava.

Retornei ao notebook e abri na página para redigir a experiência.

Pela janela, observei o final de tarde tranquilo e ensolarado; as árvores com suas folhas pintadas em um verde vistoso; asfalto e natureza conviviam harmoniosamente, embora, à primeira vista, parecessem destoantes. Agora, pareciam perfeitos lado a lado, pois eu estava em paz.

No final das contas, a lição não era árdua demais para ser assimilada.

Eu apenas tinha de aprender a “só ser”.

THE UNSUSTAINABLE BEAUTY OF BEING (ENGLISH VERSION)

Facing the computer, I tried at all costs to write something, concatenate ideas, create content. A feeling of heaviness invaded me in shades of sadness; my chest was filled with silent anguish, whose origin was unknown to me. I’ve turned off the machine, impatiently, and went to the balcony. Closed my eyes and started breathing rhythmically — fast and slow, fast and slow. The air reached the lungs first; then it circled the diaphragm and left, causing a slight burning sensation in my throat. When the practice was over, I gave in. Thoughts were running wild, but I didn’t stick to them; I heard the hiss of the wind and the chirping of the birds; the heat of the sun’s rays on my skin… Then a dark blue tunnel, almost like the color of the mat on which I had laid, stretched out in front of me, in a place between my closed eyes and the darkness of my mind, flickering and turning, as if guiding me to the same place I used to go on my daily reflections. And there, I saw “her”, the one I called “goddess”, or, perhaps, who knows, “she” was the most unintelligible version of “me”.

“You still don’t understand …” she said, expressing immeasurable compassion.

“Everything you want so badly is like a toy. When a child really craves for a toy, she does it because she thinks owning it will bring her fun, joy. However, it’s just a toy; fun and joy are already inside the child. The example is valid for everything else. There is nothing wrong with desiring anything, but your desire remains like a toy. It’s just a choice to buy it or not. Everything you are looking for already exists within you. It is you. There is no way to fail.”

At that moment, heavy tears streamed down my face. My chest was emptied from the restlessness of the past, and the tensions in my body came undone like knots that were extremely simple to untie. In place of melancholy, my entire body vibrated with a potent, uninterrupted flow of love that made my hands and feet tingle, emanating from somewhere inside myself. I woke up with a smile, although “wet” because of my tears. Very happy.

In the end, I discovered that I had forgotten something essentially important, which used to happen every time I disconnected from my essence or acted against who I really was and/or what I believed in.

I went back to my computer and opened the tab to write this experience.

Through the window, watched the calm and sunny late afternoon; the trees with their leaves painted in a gaudy green; asphalt and nature coexisting harmoniously, although, at first glance, they seemed to be at odds. Now they looked perfect side by side, for I was in peace.

After all, the lesson was not too arduous to assimilate.

I just had to learn how to “only be”.

--

--

Cintia Uzêda

Poeta, escritora, sáfica e budista. From Salvador de Bahia, Brasil.