As prerrogativas da espera

Cintia Uzêda
4 min readMar 17, 2024
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As pessoas que me conhecem costumam me caracterizar como uma mulher paciente, e não discordo delas, apesar de, confesso, não ser muito afeita a esperas.

Cá entre nós, esperar é chato!

Convenhamos: parar por dezenas de minutos numa fila quilométrica de supermercado, contando com a boa vontade do(a) atendente em agilizar o trabalho, ou ficar plantada num ponto de encontro porque seu/sua pretendente se atrasou — ou é naturalmente retardatário(a) –, ou, ainda, checar a todo instante se a lista de classificação de uma prova ou seleção já foi disponibilizada, por exemplo, não são atividades aprazíveis de se realizar. Concorda?

Eu mesma estou agora esperando por alguém, e, se não fosse pelas reflexões que esse período “de molho” me proporcionou — ou que eu me permiti ter enquanto esperava –, com certeza não estaria redigindo este texto.

O contexto que vivencio no momento não é novo. Lembro de tê-lo experienciado umas dúzias de vezes, cada uma delas contendo circunstâncias e sujeitos distintos, porém com um elemento em comum: a espera.

Numa analogia bem simples (para que você compreenda o que quero dizer e visualize a via que percorro), seria como escolher alguém para iniciar uma partida de damas — ou de xadrez –, um jogo a dois, e, após executar a sua jogada, deixar que o seu oponente faça a dele. Após um tempo, no entanto, você nota que ele está demorando demais, e começa a se questionar se ele ainda fará a bendita jogada, se está mesmo a fim de jogar, ou se, inadvertidamente, abandonará o jogo.

Essa espera angustiante à qual me refiro restringiu, a priori, os meus movimentos, conduzindo-me a delegar os rumos do relacionamento à minha contraparte (posto que construir uma relação, assim como uma partida entre enxadristas, é um acordo entre os/as participantes).

O que descobri, entretanto, é que, embora me sentisse perdida e impotente no princípio dessa situação — acreditando que só poderia “colocar os pontos nos is” após um retorno da pessoa por quem esperava — e sigo esperando –, na verdade, eu sou, sim, capaz de, a qualquer tempo, definir o meu próximo passo, recebendo ou não a ansiada resposta.

Esperar que determinada pessoa dê o ar da graça e se manifeste com palavras suaves aos nossos ouvidos, ou que dada condição se revele ou tome a forma como a concebíamos, não equivale a colocar a nossa vida em stand by — nem é garantia de satisfação plena.

Não é sábio relegar o agora, este instante em que nos é permitido exalar a vida em expansão através de nós — reunindo e declarando os nossos sonhos, pensamentos, sentimentos, experiências, jeito de ser único, escolhas e atitudes –, por mais irresistíveis que aparentem ser os sujeitos, motivações ou panoramas que nos entretêm e cativam.

Também acabei por relembrar o precioso conceito budista de desapego, que, longe de ser sinônimo de “negligência” e “descompromisso”, trata, em resumo, de estabelecer a distinção entre o que é possível mudar e o que não é, o que está sob nosso controle e o que não está.

Então, por mais interessada em prosseguir com a partida — de xadrez ou damas — com quem escolhi jogar, não posso nem quero coagir essa pessoa a continuar, se ela preferir desistir.

As esperas me ensinaram que, se uma companhia não permanece conosco por livre e espontânea vontade, é hora de nos despedirmos dela — ou, sem nutrir grandes expectativas, nos abrirmos à possibilidade de que ela decida e expresse, clara e objetivamente, que deseja estar ao nosso lado, agindo conforme a própria deliberação.

Por mais bem-intencionado que seja o ato de esforçar-se para manter um ser querido por perto ou persuadi-lo a tal, é imperativo ter em mente que ninguém — além de nós — é responsável por nos tornar felizes, tampouco nos deve algo ou tem a obrigação de acatar a nossa ideia particular de felicidade para ele(a).

Por que você prenderia um passarinho numa gaiola cheia de alpiste — confiando que ele será mais feliz desse modo –, se sabe que tudo que ele mais ambiciona é voar?

Não obstante, o ato de convencer alguém a algo soa, ao menos para mim, como uma espécie de violência, que visa forçar um “desvio” na estrada pela qual o outro já vinha trilhando, impondo um atalho que consideramos como “melhor” ou que, de algum modo, nos beneficia — não necessariamente sendo favorável àquele(a) que muda de rota.

Enfim, depois de tantas horas, dias, semanas, meses esperando, creio que as vantagens mais significativas da espera consistem no que discorri previamente — e no entendimento de que, não raro, esperar, por mais insuportável e entediante que seja, é um convite à introspecção, seja para constatar que, independentemente das variáveis externas, possuímos a autoridade para escolher o que fazer a respeito do que nos ocorre, seja para recordar que é igualmente na seara interna que reside a legítima potência metamórfica.

Você e eu ainda teremos inúmeras esperas incômodas ao longo dessa jornada. Vamos nos decepcionar e entristecer com o desfecho de histórias que esperávamos que nunca terminassem, com resultados indesejáveis e inesperados, com o adeus de pessoas amadas — e a impossibilidade de esperar pela volta daquilo que não existe mais , com dores e frustrações comuns , oriundas das nossas preferências e expectativas — e ok, isso está incluso no pacote.

Apenas não se esqueça — e eu me comprometo a não me esquecer disso também — de que você tem uma existência — sua trajetória singular e irrepetível — toda pela frente, e não se recomenda demorar-se tanto no aguardo de quem ou do que quer que seja — ou daquilo que, porventura, pode vir a ser –, a ponto de ignorar o seu protagonismo e o momento presente, consentindo que a vida passe sem que se perceba — num piscar de olhos.

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Cintia Uzêda

Poeta, escritora, sáfica e budista. From Salvador de Bahia, Brasil.