Como 2023 me ensinou a respirar

Cintia Uzêda
4 min readDec 11, 2023

Se houve algo fundamental que aprendi este ano foi a… respirar.

Sim, eu sei que parece tosco afirmar isso, mas não há nada como parar por uns instantes o que você está fazendo, colocar as mãos apoiadas nas coxas, de palmas para cima, e inspirar profundamente pelas narinas, expirando, a seguir, pela boca.

Nos últimos meses, enquanto trabalhava e estudava ininterruptamente, às vezes, desrespeitando o próprio corpo, esqueci de respirar, por breves — e incômodos — momentos, o que me causou uma espécie de asfixia agonizante, acompanhada de um desespero mudo, cinzento, e uma sensação de ver a vida se esvaindo de mim. Cheguei ao limite dos meus pulmões — a ausência de oxigênio.

Após o episódio, passei a respirar com mais frequência, sempre que tinha vontade, nos intervalos das atividades ou mesmo no decorrer delas.

Assim, relembrei a conexão entre o respiro e a paixão por viver, afinal de contas, a despeito dos objetivos a alcançar, metas a atingir e tarefas a cumprir, todos nós somos imbuídos de vida para fazer jus a ela.

Ninguém nasceu para usufruir de uma “sobrevida”, mesmo que o sistema socioeconômico vigente nos queira convencer do contrário.

Em uma sociedade que se desumaniza progressivamente, aplaudindo as guerras e a força bruta, agraciando o trabalho em demasia, demonizando o descanso, perpetuando a(s) violência(s) e ironizando a paz, respirar, especialmente quando anseiam nos coagir a continuar produzindo, competindo e sobrevivendo, me parece um ato revolucionário.

E o que isso tem a ver com 2024 e as resoluções de ano novo?

Não sei o que respirar significa para você, mas, para mim, quer dizer muita coisa.

Respirar, na minha concepção, é um lembrete constante de que, qualquer que seja a mudança almejada, ela deve começar primeiro em mim e, depois, a partir do exemplo que sou, nos outros.

Ao respirar, tomo consciência de minha subjetividade, dos meus pensamentos, sentimentos, crenças e valores. Posso enxergar o meu lado benéfico (para mim mesma e para os demais) e o que não é tão agradável assim, o que me possibilita aceitar, de maneira radical e assertiva, aquilo que sou e mudar, pois só posso alterar a realidade (individual e coletivamente) entrevendo-a tal como ela é, sem fantasiá-la — , como um escultor que tem de cortar a pedra bruta para convertê-la em uma bela arte.

O fato é que ninguém pode respirar — nem mudar — por nós, certo? Então, por que, ano após ano, continuamos esperando que o mundo se transforme magicamente enquanto permanecemos os mesmos?

Em 2023, revisitei, na memória, as versões anteriores de mim mesma, sem qualquer preconceito ou vergonha (em 2022, talvez sentisse certo receio ou constrangimento. Hoje não mais). Abracei-as com força, gratidão e gentileza, como se apertasse um Golden Retriever enorme, destrambelhado e peludo.

Por mais que tivesse refletido, inúmeras vezes, sobre o que faria de diferente em meu passado, foi ter feito exatamente o que fiz — como, quando e com quem fiz — que me tornou quem eu sou hoje. Claro que falhei bastante e, por sorte, consegui, em alguns casos, reparar os males causados. Não me entenda mal, não é dos meus erros que me orgulho, mas do que aprendi e da pessoa que me tornei.

Existe um enorme potencial metamórfico latente em nós, o qual precisa ser (re)descoberto e utilizado para nos reumanizar e, por consequência, construir um mundo mais amoroso, justo e digno.

Se você ainda não sabe como pôr isso em prática, sugiro que respire fundo e conte até 3, sem se afobar. Não é necessário — ou viável — tentar mudar o mundo inteiro, pois isso é quase impossível.

Inicie a metamorfose:

  • levantando-se da cama, mesmo que seja difícil;
  • procurando ajuda ao carecer dela, sem se sentir um estorvo;
  • exercendo a sua profissão de maneira honesta, divertida e eficaz (caso não possa sentir satisfação com o seu emprego atual, pelo menos mantenha a integridade no exercício do seu trabalho e descanse bem nas folgas e intervalos);
  • trocando os desafetos que você cultivou por amizades — ou, quem sabe, por “mestres disfarçados” que cruzaram o seu caminho e lhe ajudaram a se reencontrar — ou ainda, a não ser igual a eles;
  • sorrindo mais, adotando hábitos saudáveis e tomando Sol com uma frequência maior, se puder;
  • reinventando novas formas de sentir-se bem e obter prazer em seu cotidiano (o que não é o mesmo que viver sob o regime da positividade tóxica, obrigando-se a sorrir o tempo inteiro em prol das boas vibrações), embora nem sempre nossos planos deem certo ou os dias sejam proveitosos;
  • focando em você e esperando menos dos outros — da sociedade, do governo, da vida (o que não quer dizer que você não deva reivindicar os seus direitos e escolher as causas mais importantes para você);
  • fomentando a não-violência em todos os âmbitos (dentro de si, em suas relações, no trabalho etc.);
  • Doando-se e empregando seus conhecimentos para facilitar — de modo ético e compassivo — a convivência com seus semelhantes e a vida (sua e de outrem);
  • juntando-se a pessoas e/ou grupos que queiram promover mudanças que visem ao bem comum e à paz também.

Por fim, porém não menos relevante, não se esqueça de respirar, sobretudo quando as circunstâncias se apresentarem desafiadoras, sufocantes, com demandas excessivas e até cruéis. Respire e jamais se esqueça de que o essencial para nós é — e continua sendo — viver plenamente.

Um excelente Natal e um 2024 que só a nós cabe definir — e edificar.

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Cintia Uzêda

Poeta, escritora, sáfica e budista. From Salvador de Bahia, Brasil.