Sobre chás e finais

Cintia Uzêda
3 min readMar 20, 2022

A água está na panela, em fogo médio. Enquanto ela esquenta, penso no que fiz durante a semana: despedi-me de alguém que eu amava — e que talvez ainda ame.

Por que, às vezes, passamos por situações que se repetem?

Ouvi dizer que, mesmo aparentando ser semelhantes, os acontecimentos não são idênticos entre si, e que as recorrências cessam quando respondemos à ocasião de uma forma diferente da qual estamos acostumados. Ou seja, ao compreendermos a “mensagem” que determinada conjuntura nos traz.

Olho para baixo e vejo mini bolhas surgindo, sempre de baixo para cima, desprendendo-se da superfície de alumínio. Assim como elas, eu estou me movendo em direção a uma nova versão de mim.

Surpreendentemente, não receio mais as coisas que me baqueavam e entristeciam, como, por exemplo, escutar um “não” das pessoas com as quais eu imaginava conviver — numa relação romântica ou de amizade — pela vida inteira. Antes, eu queria, a qualquer custo, provar a elas que era digna do seu afeto, da sua confiança, queria que me validassem e aceitassem pelo melhor que eu era capaz de ser e mostrar, e ficassem comigo, pelo menos, até o dia seguinte, ou, de preferência, ad infinitum.

Todavia, certos amigos e pretendentes deram-me as costas e, indiferentes ao meu apelo, partiram, tirando o meu chão.

“Por que não podiam simplesmente gostar de mim de volta?”, eu lamentava, ressentida e cabisbaixa. Ora bolas, eu me ocupara tanto em tentar mantê-los por perto, que não havia notado a verdadeira intenção — em parte, inconsciente — por trás de minha atitude: evitar sentir a fisgada de uma antiga feridinha de rejeição.

O vapor começava a subir, porém ainda não era o ponto ideal.

Sabia que a temperatura de infusão pode variar entre 60 e 90º C e depende das características de cada chá?

Acho que, tal como as ervas, dependemos do tempo e das próprias vivências para nos curarmos. Para que venhamos a ser nós, com integralidade e potência.

Aos poucos, fui compreendendo que, apesar de as circunstâncias atuais se parecerem com algumas do passado, eu não era mais a Cintia do pretérito, possuindo, agora, percepções, expectativas e desejos distintos — e tendo abandonado os temores e as perspectivas equivocadas de outrora.

Desisti de aceitar vínculos unilaterais, sem reciprocidade, e parei de permitir que o meu valor — que é intrínseco e irredutível — se baseasse na consolidação dos relacionamentos interpessoais e de conquistas mundanas, bem como nos parâmetros, opiniões e atitudes alheios.

Deste modo, em vez de escapar dos encerramentos inevitáveis com as pessoas que eu insistia em manter na minha vida — mas que não me queriam na delas –, resolvi abraçar o fim, pois reconheci que não ser “benquista” e “escolhida” pelos outros é tão-somente um “desencontro” — de objetivos, de valores, de preferências, sentimentos etc. –, não um “fracasso pessoal” ou uma evidência de que havia algo de errado comigo — ou, pior, de que eu era indigna de amar e ser amada.

Jogo as folhas no líquido, que vai do incolor ao bege amarronzado em questão de segundos. O chá está pronto — e eu também. Embora os meus “segundos” tenham se alongado em anos.

“Que você seja feliz”, eu escrevi à moça com quem me relacionei recentemente, pela qual ainda nutro muito carinho e respeito, conquanto não tenhamos “saído do papel”, de acordo com o que eu havia ensejado. Tomei, pois, a iniciativa de colocar um ponto nisso e seguir adiante.

Espero que tanto eu quanto ela percorramos nossos rumos em paz, assim como anseio bebericar o chá em minha companhia, analisando o que aprendi, e continuo aprendendo, com os finais: a definir quem sou e do que preciso; a admitir a impermanência e aguardar, pacientemente, o tempo certo de gozar o que, de fato, for o melhor para mim; a ressignificar as circunstâncias que não fluírem ou que se apresentarem como “adversas”; a enfrentar os meus medos, fechar ciclos e reunir a coragem para recomeçar.

Tim-tim!

--

--

Cintia Uzêda

Poeta, escritora, sáfica e budista. From Salvador de Bahia, Brasil.